O movimento continua reivindicando ao poder público a alternativa habitacional definitiva. Até agora nenhuma sinalização de atendimento foi dada pela prefeitura e a única saída para as famílias é engrossar os números da população que vive em situação de rua na cidade de São Paulo, estimada em 20 mil pessoas. ?Não temos saída. Iremos até o fim?, declara Felícia.

A região, esquecida pela São Paulo rica, fica no extremo sul da cidade, em um terreno de 14 mil metro quadrados, localizado em um pequeno vale rodeado por favelas no bairro Parque do Engenho. ?Estamos lutando para dar vida a um dos muitos cantos escondidos e renegados por São Paulo?, afirma a coordenadora do movimento.

Saúde

A condição habitacional das famílias no acampamento deveria ser melhor, admite um dos coordenadores do acampamento, José Marcos da Silva. Mas alerta que se as famílias sobrevivem em pequenos barracos de madeira é porque a condição de suas vidas poderia ser ainda pior na rua. ?Elas não estão aqui à toa?, afirma.

Silva, que trabalha como cozinheiro no centro da cidade, é uma das pessoas que fazem trabalho comunitário no acampamento. ?Tentamos a cada dia destes dois anos melhorar as condições do lugar?, afirma. As famílias estão expostas a doenças, frio e fome. ?Estamos em uma luta política, nos unimos e nos ajudamos conforme as necessidades aparecem?, diz ele.

A prefeitura de São Paulo praticamente ignora a situação das famílias. ?Demoramos um ano e seis meses para que colocassem cestos de lixo. As crianças conviviam nas vielas com os ratos?, lembra.

Silva conta que outra dificuldade é o atendimento médico público pelo fato de as famílias morarem em ocupação e não terem um endereço. ?Mas a gente sempre dá um jeito. Tenho um carro que sempre digo que é de todo mundo aqui. Serve também como ambulância da comunidade?, brinca.

Silva, Marquinho como é conhecido, tem dedicado sua vida ao trabalho com as famílias. Ele relata que seu casamento acabou por conta de seu trabalho. ?Minha ex-esposa pediu para que eu escolhesse entre ela e este povo. Tentei cultivar os dois, mas tive que escolher um e ela foi embora. Vidas e famílias se construíram aqui. Esta história não pode acabar assim de uma hora para outra?.

Trabalho de base

Felícia lembra que há dois anos um grupo de 70 famílias do movimento decidiu ocupar o terreno, pouco freqüentado pela comunidade do bairro pelos altos índices de criminalidade. O grupo passou a colocar em prática um trabalho de base com famílias da região. ?Passamos a formar o Olga Benário com a própria comunidade que ali vivia?.

Segundo ela, as famílias passaram a procurar o acampamento. A família de Isalmar Ferreira Couto, de 50 anos, pai de três filhos, foi um destes casos. Ele vivia há 40 anos no bairro, sempre pagando aluguel. Trabalhava como motorista, mas perdeu o emprego. ?Apenas minha mulher estava trabalhando?. Com o dinheiro que ganhava tiveram que fazer uma opção. ?Ou a gente pagava aluguel ou a gente comia e mantinha as crianças na escola?. Eles não tiveram dúvida. Procuraram o acampamento e pela primeira vez começaram a lutar por moradia.

Couto conta que os preconceitos contra a situação de pobreza ficam mais evidentes quando não se tem um endereço fixo. ?Minha família tinha cadastro no SUS, com cartão para atendimento e tudo. Mas quando descobriram que mudamos de casa, disseram que não era possível renovar o cartão?, afirma.

Mas Couto arrumou, há dois meses, outro emprego e faz planos para depois que conseguir uma casa. ?Quero retomar o curso de Ciências Biológicas que iniciei mas não tive condições de continuar?.